quarta-feira, 4 de abril de 2012

Quem mais paga imposto no Brasil? - parte II

Continuando a discussão anterior,  vamos para uma invenção da década de 1990: os juros sobre capital próprio.

Sua base teórica é grosso modo a seguinte: o capital social da empresa é a primeira de suas fontes de recursos. É como se o sócio "emprestasse" dinheiro a uma empresa, através de compra de suas ações ou cotas. Uma forma de remunerar este capital seria através de juros sobre o capital investido, como se fosse o aluguel deste dinheiro.

Até aí, excelente, boa ideia. Só que ao contrário do aluguel, é tributado com uma alíquota de 15%, enquanto que a pessoa física tem seu imposto calculado através da Tabela Progressiva do Imposto de Renda. Isso trás uma distroção semelhante à da discussão anterior, com a diferença na alíqutoa - o sócio passaria a pagar R$ 1.500,00 de imposto, o que ainda é 27% a menos que o assalariado.


Claro que o exemplo acima é uma simplificação:
  • o assalariado tem descontado de si a previdência social (até o limite de R$ 430,78, referente ao teto do benefício); 
  • o imposto referente ao dividendo é pago pela empresa, e não pelo sócio, que efetivamente não paga nada, mas por outro lado também incide sobre o montante a Contribuição Social sobre Lucro Líquido - CSLL; 
  • os Juros sobre Capital Próprio tem um limite de quanto pode ser considerado deste modo.

Acontece que neste caso os juros são considerados como despesa para a empresa que os paga (como um serviço financeiro prestado pelo acionista). Ou seja: além de uma alíquota menor, diminui o imposto a ser pago pela empresa que o distribuiu.

Para o pagador a diferença é grande. Os Juros sobre Capital Próprio são contabilizados como uma despesa, e além de não incidir impostos, diminuem o montante a ser pago no final do período. Se a empresa possui um lucro de até R$ 10.000,00 por mês, pode distribuir metade (R$ 5.000,00) a título de Juros sobre Capital Próprio.

Seu lucro líquido seria, portanto, de apenas R$ 5.000,00, e seria tributado R$ 500,00 a título de Imposto de Renda e R$ 450,00 de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido. O acionista, ao receber seus R$ 10.000,00, pagaria apenas mais R$ 750,00 de Imposto de Renda, referente aos Juros sobre Capital Próprio, economizando R$ 200,00, e com uma receita líquida de R$ 8.300,00.



O valor total pago, R$ 1.700,00, é 12,3% menor que o pago apenas a título de imposto de renda para um assalariado com o mesmo salário nominal (já com o desconto da contribuição social) - R$ 1.938,76.


Além do valor nominal, o empregador ainda precisa arcar com Contribuição Social Patronal (20%), FGTS (8%), SAT (em geral 3%) e Sistema S (cerca de 3%), que será o assunto do próximo post.

quinta-feira, 29 de março de 2012

Incentivos fiscais

Em épocas de eleição, um tema recorrente é política industrial, e o principal argumento dos candidatos é sobre incentivos fiscais. Mas incentivos fiscais são realmente saudáveis?

Hoje é possível um incentivo fiscal ser realmente relevante, conforme discutido no artigo ICMS e Guerra Fiscal. Um Estado (ou município) abre mão de parte de sua arrecadação para a instalação de uma empresa em seu território, trazendo investimentos e empregos.

Mas nem tudo são flores. Na maioria das vezes, as empresas dependem da continuidade do incentivo para se manterem no mesmo local.

Por outro lado, demandam investimentos em infraestrutura, capacitação, segurança, fiscalização e saúde, que custam muito aos cofres públicos.

Os gastos públicos aumentam, sem o respectivo aumento de arrecadação. Alguém precisa pagar esta conta, que será cobrada dos demais consumidores.

O que temos, com estes incentivos fiscais de guerras cambiais, é um Robin Hood ao contrário: tira-se dos pobres (e principalmente da classe média), em forma de impostos, e dá-se para as maiores empresas, geralmente de fora.

Se a guerra fiscal acabasse, com a troca de impostos sobre produção para sobre consumo, e os incentivos diminuissem, não seria necessário cobrar daqueles que realmente acreditaram no lugar para pagar pelos que só estão pelos incentivos fiscais.

E poderíamos pensar em uma política industrial de verdade.

quinta-feira, 22 de março de 2012

ICMS e Guerra Fiscal

Conforme explicado no texto Bases Tributárias, temos no Brasil a aberração de todos nossos tributos serem cobrados sobre a produção, ao invés de ser sobre o consumo.

No caso do ICMS, isso pode ser interpretado como um imposto sobre exportação entre Estados.

Nenhum país tributa suas exportações com o propósito de arrecadar. O único intuito de um imposto de exportação é diminuir a exportação, para fins como incentivar a industrialização de um insumo, ou até mesmo o consumo interno, como aconteceu recentemente com a carne argentina.

No Brasil, um imposto de exportação, travestido de imposto sobre consumo, faz as vezes de imposto sobre exportação, pois a cobrança na saída do Estado produtor garante a arrecadação do tributo antes da chegada para o consumo.

Como consequências, os Estados que mais produzem ficam com a receita do ICMS, enquanto os que menos produzem não arrecadam impostos sobre o próprio consumo.

A cobrança de tributos na origem foi o início da distribuição de rendimentos pela União aos Estados para diminuir as diferenças regionais. Afinal, os Estados mais ricos (por produzirem mais), são também os que mais arrecadam.

Temos hoje uma situação em que os Estados consumidores não estão satisfeitos porque arrecadam pouco, e os Estados produtores não estão satisfeitos porque o repasse é pouco.

Para remediar esta situação, vários mecanismos de redistribuição de receitas foram criados, além de incentivos fiscais para regiões mais pobres. Nenhuma soluciona o problema, apenas agrava.

Além disso, com o poder de decisão sobre a alíquota a ser aplicada sobre tudo que produz (ou que importa), os Estados tem em mãos poderosos instrumentos de benefícios dos grupos que escolher, além das sempre iminentes guerras fiscais.

Se o ICMS fosse cobrado sobre o consumo, no destino, um incentivo fiscal dado por determinado Estado somente valeria quando consumido naquele Estado. Seria o fim da guerra fiscal entre Estados.

quinta-feira, 8 de março de 2012

Bases tributárias

As teorias de política tributária propoem uma tríade como base para a tributação: renda, patrimônio e consumo. No Brasil, parece que nunca se ouviu falar nisso.

A renda só é tributada para assalariados. Os rendimentos de pessoa jurídica possuem alíquota menor que as pessoas físicas, além da invenção do infame "juros sobre capital próprio". Os dividendos não são tributados. O ganho de capital é tributado pela metade.


O patrimônio tem tributação apenas simbólica. Os imóveis rurais ficam num jogo de empurra entre união e municípios. As embarcações e aeronaves não são tributadas. As alíquotas de imóveis são iguais para todos, independentemente da quantidade de imóveis que se possui. Muda apenas o valor venal, que sempre é subestimado.

Mas pior de tudo é a tributação sobre o consumo, que simplesmente não existe no Brasil. Em seu lugar, há uma variável abominável, sua "irmã gêmea má": o imposto sobre a produção. O IPI é cobrado sobre a produção, o ICMS é cobrado na origem, PIS e COFINS deixaram de ser cumulativos para alguns, mas continuam sobre a receita bruta.

O tributo não pode ser cobrado sobre a produção em hipótese alguma. Na produção é onde se remunera o trabalho, e no consumo onde se usa o capital. O princípio de qualquer tributo sobre valor agregado é que o consumo seja tributado. Se é cobrado quando é produzido, e não quando é consumido, causa um grande problema na movimentação da mercadoria entre entes que produzem e entes que consomem.

Além de ser um grande incentivo à não agregação de valor sobre o produto.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Capital x Trabalho e o Ganho de Capital

Com o programa Minha Casa, Minha Vida, milhões de brasileiros tiveram finalmente sua chance de comprar sua casa própria, enquanto outros conseguem trabalho na construção destas moradias. A renda está sendo distribuída, e a nova classe média se recompôs depois de décadas de declínio.

O mesmo se pode dizer do êxito no campo (sucedendo décadas de êxodo), e as novas oportunidades vindas da exploração mineral.

Surgem todo tipo de oportunidade, com dinheiro e financiamentos disponíveis para tal. Qual a melhor destinação para o excedente monetário que aparece?

O excedente foi o responsável pela industrialização inglesa no século XVIII, assim como foi fundamental para as industrializações americana e alemã no séc. XIX e para a brasileira no séc. XX.

Mas o Brasil tem armadilhas tributárias que podem botar a perder esse capital acumulado e nos levar de volta à cultura mercantilista de acumulação sem produção, devido à baixa tributação sobre ganhos de capital, em comparação com tributação de rendimentos do trabalho.

Ganhos são lucros imediatos, como na venda de um imóvel, enquanto rendimentos são contínuos, como o aluguel.

Hoje, a tributação sobre o lucro no ganho de capital é fixada em 15%, enquanto o trabalho e o investimento produtivo são tributados a no mínimo 19% no lucro (IRPJ + CSLL), além de PIS e COFINS na receita bruta (0,65% + 3%, no mínimo).

Isso faz com que seja muito mais vantajoso comprar imóveis do que abrir uma nova indústria. Melhor especular do que produzir.

O capital deve ser transferido sempre para os donos do trabalho, ou teremos uma sociedade em que não se investe no trabalho porque investir em capital é mais rentável. Nossa perversa tributação pode trazer a desindustrialização que parte da Europa já conheceu, e que ameaça a América e o Japão.

Até a edição da Lei 8.981, de 1995, os ganhos de capital tinham o mesmo tratamento tributário dos rendimentos do trabalho. Depois disso, especular se tornou mais vantajoso.

Temos a esdrúxula situação em que a acumulação de capital está sendo direcionada para a construção de um patrimônio com um valor fictício, no aguardo da próxima bolha, que acabará com o patrimônio de muita gente que trabalhou para conquistá-lo.