terça-feira, 2 de julho de 2013

Voto obrigatório e democracia - Parte I

"Democracia ("demo+kratos") é um regime de governo em que o poder de tomar importantes decisões políticas está com os cidadãos".

Conceito extraído literalmente da Wikipedia, uma fonte bastante democrática (fonte aqui).

Nossa democracia, de modelo indireto, atualmente se expressa através do voto, por onde escolhemos nossos representantes para tomar em nosso lugar as decisões que estes consideram importantes para nós, ou escolhemos o chefe do poder executivo, para escolher dentro de seu grupo político, quem irá administrar o Estado ou seus subníveis.

Neste modelo, a primeira decisão à qual já não temos escolha, a mais fundamental de todas, é relacionada à faculdade do voto. Não podemos escolher sequer se queremos ou não votar. A democracia brasileira já começa com vício na origem do ato supostamente democrático: podemos escolher em quem votar entre os que nos foram apresentados, mas não podemos escolher se queremos ou não votar.

A liberdade, princípio fundamental da democracia, já é tolhida no momento em que uma eleição é deflagrada. A vontade do indivíduo já deixa de ser respeitada no princípio do processo.

Lógico que há um motivo (uma desculpa) nobre por trás da implantação do voto obrigatório: aumentar a participação política da população. Fazer com que a democracia seja plena.

No entanto, a democracia, que é um direito de todos, foi confundida com obrigação de todos. E a disposição de participar é muito menor quando existe obrigação. Temos uma democracia de má vontade.

Que tipo de demoracia queremos? Vibrante e participativa, ou apática e forçada?

Há uma opção: a democracia por vontade, ao invés da democracia imposta.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Quem mais paga imposto no Brasil? - parte II

Continuando a discussão anterior,  vamos para uma invenção da década de 1990: os juros sobre capital próprio.

Sua base teórica é grosso modo a seguinte: o capital social da empresa é a primeira de suas fontes de recursos. É como se o sócio "emprestasse" dinheiro a uma empresa, através de compra de suas ações ou cotas. Uma forma de remunerar este capital seria através de juros sobre o capital investido, como se fosse o aluguel deste dinheiro.

Até aí, excelente, boa ideia. Só que ao contrário do aluguel, é tributado com uma alíquota de 15%, enquanto que a pessoa física tem seu imposto calculado através da Tabela Progressiva do Imposto de Renda. Isso trás uma distroção semelhante à da discussão anterior, com a diferença na alíqutoa - o sócio passaria a pagar R$ 1.500,00 de imposto, o que ainda é 27% a menos que o assalariado.


Claro que o exemplo acima é uma simplificação:
  • o assalariado tem descontado de si a previdência social (até o limite de R$ 430,78, referente ao teto do benefício); 
  • o imposto referente ao dividendo é pago pela empresa, e não pelo sócio, que efetivamente não paga nada, mas por outro lado também incide sobre o montante a Contribuição Social sobre Lucro Líquido - CSLL; 
  • os Juros sobre Capital Próprio tem um limite de quanto pode ser considerado deste modo.

Acontece que neste caso os juros são considerados como despesa para a empresa que os paga (como um serviço financeiro prestado pelo acionista). Ou seja: além de uma alíquota menor, diminui o imposto a ser pago pela empresa que o distribuiu.

Para o pagador a diferença é grande. Os Juros sobre Capital Próprio são contabilizados como uma despesa, e além de não incidir impostos, diminuem o montante a ser pago no final do período. Se a empresa possui um lucro de até R$ 10.000,00 por mês, pode distribuir metade (R$ 5.000,00) a título de Juros sobre Capital Próprio.

Seu lucro líquido seria, portanto, de apenas R$ 5.000,00, e seria tributado R$ 500,00 a título de Imposto de Renda e R$ 450,00 de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido. O acionista, ao receber seus R$ 10.000,00, pagaria apenas mais R$ 750,00 de Imposto de Renda, referente aos Juros sobre Capital Próprio, economizando R$ 200,00, e com uma receita líquida de R$ 8.300,00.



O valor total pago, R$ 1.700,00, é 12,3% menor que o pago apenas a título de imposto de renda para um assalariado com o mesmo salário nominal (já com o desconto da contribuição social) - R$ 1.938,76.


Além do valor nominal, o empregador ainda precisa arcar com Contribuição Social Patronal (20%), FGTS (8%), SAT (em geral 3%) e Sistema S (cerca de 3%), que será o assunto do próximo post.

quinta-feira, 29 de março de 2012

Incentivos fiscais

Em épocas de eleição, um tema recorrente é política industrial, e o principal argumento dos candidatos é sobre incentivos fiscais. Mas incentivos fiscais são realmente saudáveis?

Hoje é possível um incentivo fiscal ser realmente relevante, conforme discutido no artigo ICMS e Guerra Fiscal. Um Estado (ou município) abre mão de parte de sua arrecadação para a instalação de uma empresa em seu território, trazendo investimentos e empregos.

Mas nem tudo são flores. Na maioria das vezes, as empresas dependem da continuidade do incentivo para se manterem no mesmo local.

Por outro lado, demandam investimentos em infraestrutura, capacitação, segurança, fiscalização e saúde, que custam muito aos cofres públicos.

Os gastos públicos aumentam, sem o respectivo aumento de arrecadação. Alguém precisa pagar esta conta, que será cobrada dos demais consumidores.

O que temos, com estes incentivos fiscais de guerras cambiais, é um Robin Hood ao contrário: tira-se dos pobres (e principalmente da classe média), em forma de impostos, e dá-se para as maiores empresas, geralmente de fora.

Se a guerra fiscal acabasse, com a troca de impostos sobre produção para sobre consumo, e os incentivos diminuissem, não seria necessário cobrar daqueles que realmente acreditaram no lugar para pagar pelos que só estão pelos incentivos fiscais.

E poderíamos pensar em uma política industrial de verdade.

quinta-feira, 22 de março de 2012

ICMS e Guerra Fiscal

Conforme explicado no texto Bases Tributárias, temos no Brasil a aberração de todos nossos tributos serem cobrados sobre a produção, ao invés de ser sobre o consumo.

No caso do ICMS, isso pode ser interpretado como um imposto sobre exportação entre Estados.

Nenhum país tributa suas exportações com o propósito de arrecadar. O único intuito de um imposto de exportação é diminuir a exportação, para fins como incentivar a industrialização de um insumo, ou até mesmo o consumo interno, como aconteceu recentemente com a carne argentina.

No Brasil, um imposto de exportação, travestido de imposto sobre consumo, faz as vezes de imposto sobre exportação, pois a cobrança na saída do Estado produtor garante a arrecadação do tributo antes da chegada para o consumo.

Como consequências, os Estados que mais produzem ficam com a receita do ICMS, enquanto os que menos produzem não arrecadam impostos sobre o próprio consumo.

A cobrança de tributos na origem foi o início da distribuição de rendimentos pela União aos Estados para diminuir as diferenças regionais. Afinal, os Estados mais ricos (por produzirem mais), são também os que mais arrecadam.

Temos hoje uma situação em que os Estados consumidores não estão satisfeitos porque arrecadam pouco, e os Estados produtores não estão satisfeitos porque o repasse é pouco.

Para remediar esta situação, vários mecanismos de redistribuição de receitas foram criados, além de incentivos fiscais para regiões mais pobres. Nenhuma soluciona o problema, apenas agrava.

Além disso, com o poder de decisão sobre a alíquota a ser aplicada sobre tudo que produz (ou que importa), os Estados tem em mãos poderosos instrumentos de benefícios dos grupos que escolher, além das sempre iminentes guerras fiscais.

Se o ICMS fosse cobrado sobre o consumo, no destino, um incentivo fiscal dado por determinado Estado somente valeria quando consumido naquele Estado. Seria o fim da guerra fiscal entre Estados.

quinta-feira, 8 de março de 2012

Bases tributárias

As teorias de política tributária propoem uma tríade como base para a tributação: renda, patrimônio e consumo. No Brasil, parece que nunca se ouviu falar nisso.

A renda só é tributada para assalariados. Os rendimentos de pessoa jurídica possuem alíquota menor que as pessoas físicas, além da invenção do infame "juros sobre capital próprio". Os dividendos não são tributados. O ganho de capital é tributado pela metade.


O patrimônio tem tributação apenas simbólica. Os imóveis rurais ficam num jogo de empurra entre união e municípios. As embarcações e aeronaves não são tributadas. As alíquotas de imóveis são iguais para todos, independentemente da quantidade de imóveis que se possui. Muda apenas o valor venal, que sempre é subestimado.

Mas pior de tudo é a tributação sobre o consumo, que simplesmente não existe no Brasil. Em seu lugar, há uma variável abominável, sua "irmã gêmea má": o imposto sobre a produção. O IPI é cobrado sobre a produção, o ICMS é cobrado na origem, PIS e COFINS deixaram de ser cumulativos para alguns, mas continuam sobre a receita bruta.

O tributo não pode ser cobrado sobre a produção em hipótese alguma. Na produção é onde se remunera o trabalho, e no consumo onde se usa o capital. O princípio de qualquer tributo sobre valor agregado é que o consumo seja tributado. Se é cobrado quando é produzido, e não quando é consumido, causa um grande problema na movimentação da mercadoria entre entes que produzem e entes que consomem.

Além de ser um grande incentivo à não agregação de valor sobre o produto.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Capital x Trabalho e o Ganho de Capital

Com o programa Minha Casa, Minha Vida, milhões de brasileiros tiveram finalmente sua chance de comprar sua casa própria, enquanto outros conseguem trabalho na construção destas moradias. A renda está sendo distribuída, e a nova classe média se recompôs depois de décadas de declínio.

O mesmo se pode dizer do êxito no campo (sucedendo décadas de êxodo), e as novas oportunidades vindas da exploração mineral.

Surgem todo tipo de oportunidade, com dinheiro e financiamentos disponíveis para tal. Qual a melhor destinação para o excedente monetário que aparece?

O excedente foi o responsável pela industrialização inglesa no século XVIII, assim como foi fundamental para as industrializações americana e alemã no séc. XIX e para a brasileira no séc. XX.

Mas o Brasil tem armadilhas tributárias que podem botar a perder esse capital acumulado e nos levar de volta à cultura mercantilista de acumulação sem produção, devido à baixa tributação sobre ganhos de capital, em comparação com tributação de rendimentos do trabalho.

Ganhos são lucros imediatos, como na venda de um imóvel, enquanto rendimentos são contínuos, como o aluguel.

Hoje, a tributação sobre o lucro no ganho de capital é fixada em 15%, enquanto o trabalho e o investimento produtivo são tributados a no mínimo 19% no lucro (IRPJ + CSLL), além de PIS e COFINS na receita bruta (0,65% + 3%, no mínimo).

Isso faz com que seja muito mais vantajoso comprar imóveis do que abrir uma nova indústria. Melhor especular do que produzir.

O capital deve ser transferido sempre para os donos do trabalho, ou teremos uma sociedade em que não se investe no trabalho porque investir em capital é mais rentável. Nossa perversa tributação pode trazer a desindustrialização que parte da Europa já conheceu, e que ameaça a América e o Japão.

Até a edição da Lei 8.981, de 1995, os ganhos de capital tinham o mesmo tratamento tributário dos rendimentos do trabalho. Depois disso, especular se tornou mais vantajoso.

Temos a esdrúxula situação em que a acumulação de capital está sendo direcionada para a construção de um patrimônio com um valor fictício, no aguardo da próxima bolha, que acabará com o patrimônio de muita gente que trabalhou para conquistá-lo.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Quem mais paga imposto no Brasil? - parte I

Warren Buffet nos trouxe esta saudável discussão - quem paga mais impostos?

E como conseqüência, quem deve pagar mais impostos?

A primeira barreira que devemos entender é relativa a que impostos estão sendo pagos. Existem basicamente três modos de cobrar impostos: sobre a renda, sobre o patrimôno e sobre o consumo. E na hora de calcularmos o quanto cada brasileiro paga de impostos, é imprescindível que se levem estes três tipos em consideração.

A primeira análise é feita sempre sobre o imposto de renda. Vou me ater a este imposto neste post, pois nem sempre a primeira análise é a mais confiável.

Todos os rendimentos de pessoas físicas devem ser lançadas na Tabela Progressiva do Imposto de Renda, a partir de onde é calculado o imposto devido, de modo progressivo.

Este é o ponto onde a ilusão começa: afinal, quem ganha mais está sujeito a uma alíquota maior.

No entanto, os rendimentos decorrentes de dividendos (lucros das empresas), são isentos de imposto. O objetivo é evitar que o imposto, que já é cobrado das empresas, seja cobrado novamente (a chamada bitributação).

O perverso no modelo brasileiro é que a alíquota da pessoa jurídica é menor que a da pessoa física. Enquanto na pessoa física se paga 27,5% a partir de R$ 3.743,19 (valor de 2011), a empresa paga 10% até R$ 20.000,00, e 25% para o que exceder este valor no mês.

Então, enquanto um empresário que ganha R$ 10.000,00 por mês como dividendos paga R$ 1.000,00 em imposto de renda, um assalariado com o mesmo salário paga R$ 2.057,22. O empresário precisaria ganhar R$ 20.228,88 em dividendos para pagar o mesmo volume de imposto de renda. Ou, com seus dividendos de R$10.000,00, paga o mesmo que alguém com um salário de R$ 6.155,56.

O ideal seria a aplicação da Tabela Progressiva para os rendimentos de dividendos, em que pudessem ser deduzidos os impostos pagos pela pessoa jurídica. Aí começa a justiça fiscal. Mas só para quem apura o resultado pelo lucro real.

O problema é que, no Brasil, a imensa maioria das empresas apura seu lucro de forma fictícia, através do SIMPLES ou do lucro presumido. Não há nada de ilegal nisto, pelo contrário: são propostas previstas em lei, como forma de estimular o nascimento e crescimento de empresas.

Mas estes métodos podem aumentar ainda mais a distância entre os assalariados e os empresários. Afinal, se este lucro fictíco for menor que o lucro real da empresa, a empresa opta pelo lucro real, e paga menos imposto. É legal, é legítimo, e é ético. Mas paga muito menos que uma pessoa física.

sexta-feira, 25 de março de 2011

Constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa ou o Direito pelo Direito - parte 1

O histórico da Lei da Ficha Limpa é o que de mais belo há nela. Através dessa Lei, a vontade popular se manifestou de uma forma que nunca havia sido vista na recente história democrática brasileira. O que há de mais democrático que uma Lei que literalmente surgiu do povo, e foi simplesmente aceita pelo congresso nacional?

Não há como discordar que ela traga consigo alguns itens que podem ser interpretados como conceitos juridicos perigosos, como a "condenação" de alguém antes de um processo transitado em julgado. No entanto, é importante deixar muito claro que ninguém é condenado por nada pela Ficha Limpa: apenas tem seu direito de concorrer a eleições suspenso até a resolução da ação judicial. Depois de quatro anos tem outra eleição igual, não é preciso se preocupar, volte a trabalhar, como qualquer outro cidadão honesto, e depois de quatro anos, se já tiver tudo resolvido, pode se candidatar novamente.

Essa suspensão do direito de pleitear um cargo público antes do processo transitado em julgado, só existe devido à morosidade da justiça brasileira. O judiciário faz sua parte, e sabemos o quanto trabalha, mas com nossas leis penais e processuais, não tem como fazer milagres.

Mesmo assim, a Ficha Limpa prevê a suspensão desses direitos apenas para aqueles condenados por um tribunal. Ou seja, foi condenado pelo menos por um colegiado, um grupo de especialistas em direito, com pouca ou nenhuma interferência política na decisão. E dá a oportunidade de, sem imunidade parlamentar, o cidadão ter seu processo finalizado.

Mas não foi nem isso que motivou o voto contrário do novo Ministro Luiz Fux.

Com o respeito que é devido a um Ministro de nosso mais nobre tribunal, com tantos anos de estudo aprofundado e aplicação do Direito, venho discordar de mais uma decisão tomada em que levou o Direito para o lado da filosofia, longe da realidade.

Um voto dado contra uma demanda popular, em que a maioria da população é favorável a determinada Lei, usando a Constituição Federal como subterfúgio, é usar o Direito em prol do Direito, e não em prol do povo brasileiro.

A Carta Magna diz, em seu art. 1º, parágrafo único que:

"Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição."

Se o poder emana do povo, a vontade do povo é maior que a vontade da Constituição Federal. Se a Constituição Federal é contra a vontade do povo, quem perde a legitimidade é a Constituição. O Povo continua soberano em sua vontade, e como titular do poder.

A Constituição é, em tese, a expressão do povo. De um povo que havia 23 anos atrás. E hoje, a expressão do povo, a vontade do povo, é a Ficha Limpa.

Principalmente se o que está em jogo é apenas uma tecnicidade da Constituição Federal. "A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência." O processo eleitoral continuou o mesmo: mesmos partidos, mesmas regras. O que mudou foi que alguns candidatos, por terem sido considerados desonestos, não podem participar. Mas podem voltar na próxima, se provarem que foi apenas um erro.

Essa é a beleza da democracia: todos continuam tendo sua chance.